Wednesday 2 October 2013

As muitas vidas de Paulo Leminski

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As muitas vidas de Paulo Leminski

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Reeditada, depois de quase 25 anos, coleção de biografias insólitas escritas pelo poeta. Escreveu sobre Trótsky, Bashô, Cruz e Souza e Jesus — porque todos tinham algo contra o dinheiro
Por Amanda Massuela, na Cult
Caso fosse negro norte-americano, Cruz e Sousa teria inventado o blues. Sendo brasileiro, restou-lhe a poesia simbolista – e o sonho. Matsuó Bashô foi monge budista, nascido samurai. Botou em prática, no haikai, a fé que alimentou sua alma durante cinquenta anos. Jesus veio para exagerar a pureza da doutrina de Moisés e Trótski pertence às exterioridades solares da história. Isso nas palavras de Paulo Leminski, escritor curitibano que além do romance e da poesia, também se dedicou à produção de pequenas biografias, publicadas no início da década de 80, pela Editora Brasiliense, numa coleção chamada Encanto Radical.
O poeta morreu em 1989, mas não sem antes expressar o seu desejo em reunir as quatro biografias sob um único título, Vida – o que aconteceria postumamente, em 1990. Em setembro, mais de vinte anos desde o seu lançamento original, o livro volta a circular pelas livrarias do país, em reedição da Companhia das Letras. “O livro estava fora de catálogo há anos, e algumas das biografias, desaparecidas, como a de Bashô. Agora que surgiu todo esse interesse em torno de Leminski, a reedição abre a possibilidade de os fãs se aproximarem de outros lados do poeta, de seu trabalho como biógrafo, como tradutor”, afirma Sofia Mariutti, responsável pela edição da obra.
Quando concluía seus estudos sobre Trótski, em 1985, Leminski escreve: “A vida se manifesta, de repente, sob a forma de Trótski, ou de Bashô, ou de Cruz e Sousa ou de Jesus. Quero homenagear a vida em todos esses momentos”. O crítico literário Manoel Ricardo de Lima afirma que o autor enxergava, nesse quadrado de personagens, o que ele acreditava ser o modo de manifestação da vida. “Os quatro são posicionados radicalmente contra algo que mais atinge o homem moderno: o dinheiro. Parece que a escolha de Leminski vem um pouco daí. Essas quatro figuras surgem contra o capital”, considera Manoel. “No entanto, acredito que essas biografias nunca foram lidas dessa forma.”
Do poeta japonês errante e inventor do haikai a uma das principais figuras da revolução bolchevique, de 1917, parece haver uma espécie de identificação entre sujeito e objeto. É como se Leminski tentasse construir um auto-retrato por meio de seus biografados. De acordo com Manoel, assim como Cruz e Sousa, poeta simbolista negro que viveu num Brasil branco e parnasiano do final do século XIX, Leminski era filho de mãe negra e pai polaco – mestiço como o simbolista, adotado pelo senhor da casa grande, de quem herdou o “Sousa”. A tradição zen presente na figura de Bashô se reflete na força das comunidades nipônicas de sua cidade natal, Curitiba, e em sua própria personalidade – era faixa preta de judô. Durante a juventude, envolveu-se com as questões políticas da Revolução Russa e via em Jesus a imagem do criador de um socialismo utópico. “Essas escolhas tem a ver com ele, passam por ele. É praticamente uma simbiose”, diz Manoel.
Escovar a história ao contrário
Na posição de historiador-poeta, Leminski não se preocupa em obedecer as regras do gênero. Para Manoel de Ricardo Lima, o traço mais inovador dessa faceta do poeta é a compreensão de que não há fatos. “Ele entende que toda a história passa por uma circunstância armada por um relato ficcional. Ele opta justamente por isso. As pessoas costumam chamar essas biografias de “romanceadas”. Eu acho pouco, acho a expressão frágil. Leminski pega muito mais pesado que isso. Compreende que a armadilha da história é exatamente a potência de ficção que ela tem. Mais ou menos como diz Walter Benjamin: escovar a história ao contrário.”
Manoel relembra que a biografia, de uma forma ou de outra, perpassa toda a sua obra. Em Catatau, de 1975, o autor narra a experiência de René Descartes no Brasil, mas imagina que ele ficou viciado em maconha. Da mesma forma, em Agora é que são elas, de 1986, o analista da personagem principal é o crítico russo Vladimir Propp. “Isso me parece um procedimento. É interessantíssimo porque, de fato, é uma forma de ele pintar o próprio retrato a partir do ser como outro. Essa é a tarefa política mais radical da literatura; essa estranheza em comum entre o ser e os outros.”
Para o crítico, Leminski cria potência nos biografados enquanto recapitula a história a seu modo, com radical interferência da ficção. “Essa é a grande força dessas biografias. O que de certo modo as pessoas podem tomar como irresponsabilidade, vejo a grande responsabilidade do Leminski. É da resistência ficcional que se faz a História.”
O poeta pop
À época do lançamento de Toda Poesia, em fevereiro deste ano, era difícil não encontrar as capas laranja-vivo enfileiradas nas vitrines de quase todas as livrarias. Com Vida não deve ser diferente. Se no início do ano era Arnaldo Antunes quem declamava trechos do poeta num vídeo de divulgação da obra, agora é Gregorio Duvivier – a convite de Sofia Mariutti – quem encarna um publicitário mal informado, numa esquete irônica e bem-humorada. “O Gregorio veio com a ideia do roteiro, inspirado naquela história que circulou nas redes sociais (convidaram o Leminski para participar da Flipoços, Festival Literário de Poços de Caldas), e nós achamos maravilhoso, porque questiona esse lugar do Leminski superstar e brinca com o elo entre a poesia e a publicidade – sacadas que ele mesmo tinha”, conta Sofia.
À sua poesia, Leminski incorporava a publicidade, o haikai, a canção, o cartum, o humor. “Ele tem um poder de síntese enorme, escreve de uma maneira muito seca, mas nada é dispensável. Cada palavra está ali na sua maior força, na sua maior concentração de significado. Seus poemas te vencem por nocaute”, diz Gregorio Duvivier – que também é poeta.
“Leminski tem poemas que são como aforismos, outros que são como slogans, tem também os haikais, com toda a sua simplicidade, e os poemas-piada, as canções populares. Sabíamos disso e quisemos explorar esse lado pop com a nossa capa e a nossa campanha de divulgação”, afirma Sofia. “Mas ele tem também um outro lado erudito, o poeta concretista das últimas seções de Caprichos & relaxos, por exemplo, os poemas que saíram na revista Invenção, na década de 1970. Esse Leminski já não circula com tanta facilidade.”
Para Manoel, o poeta tem, de fato, grande apelo de mercado, o que pode ser perigoso. “Parece que o Leminski foi incorporado como qualquer produto de supermercado, assim como a gente vê no Brasil essas propagandas de biscoito e macarrão. O livro virou um pouco isso, uma mercadoria simplista. Ele entra nesse jogo, pois tem um impacto. É uma poesia que vai fácil para uma criança de 12 a 15 anos. É aparentemente simples”, acredita. “Leminski é um dos nossos poetas mais sofisticados. Uma pena que seja lido de uma forma tão simplória.”

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